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Consutor de finanças do Itaú BBA analisa a situação financeira do clube e avalia as alternativas sugeridas para que a Raposa encontre uma saída para a crise

Cruzeiro

O Cruzeiro foi rebaixado em 2019 e não conseguiu retornar à elite em 2020 — Foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

O Cruzeiro apresentou uma ligeira melhora, mas insuficiente para alterar de forma relevante a pior crise e sua história. O time já não conseguiu o acesso no ano passado e o processo pode ser ainda mais longo. E o maior risco é exatamente esse: a ansiedade. É assim que o consultor de gestão e finanças do esporte, Cesar Grafietti, autor do estudo anual do Itaú BBA sobre a situação financeira e econômica dos clubes brasileiros, avaliou o momento da Raposa.

“O Cruzeiro fez um trabalho hercúleo para tentar passar o ano de 2020. Tiveram alguns aportes, seja por aumento de patrocínio, o que é bastante difícil para um clube que cai para a Série B, especialmente, no ano passado, e alguns investidores colocaram dinheiro via patrocínio. E também com vários adiantamentos. O clube se usou disso para fazer a roda girar”, explicou Grafietti.

Confira a entrevista completa de Cesar Grafietti, que analisa as finanças de Cruzeiro, Atlético e América:

A redução dos custos foi da ordem de 45%. “Apesar de ter conseguido diminuir os seus custos e as dívidas com suas negociações, é muito difícil conseguir reduzir na quantidade necessária de um clube tão grande, que cai da A para a B. Nos clubes pequenos, que fazem essa transição, normalmente, os contratos são curtos, para a temporada. Quando ele cai, ele consegue se reestruturar com contratos mais baratos. Os clubes maiores têm contratos de prazos mais longos. É um processo longo de renegociação com os atletas, de tentar rescindir sem multas”, analisou.

O economista entende a realidade do clube e reconheceu o esforço que foi feito até aqui. “Com menos receita e uma dificuldade em reduzir custos, a gente viu que o resultado final não merece uma nota 10, mas merece um reconhecimento pelo esforço. O clube não jogou tudo para o alto e achou que a vida poderia seguir como era antes. É um processo longo, difícil e vai passar essa temporada com dificuldade”, projeta Grafietti.

Os investimentos foram bem menores que os vistos nos dois anos anteriores (2018 e 2019), mas ainda assim acima do que o clube teria capacidade de fazer. Neste momento, na opinião do consultor, a solução deveria ser gastar apenas com a base, o que não acorreu.

Refundação?

Qual o futuro do Cruzeiro? O que pode salvá-lo? São perguntas complexas de se responder com exatidão. Um assunto muito debatido é a possibilidade de uma “refundação do clube”, algo difícil de funcionar na prática.

“Essa é uma decisão bastante complexa do ponto de vista legal. Uma nova empresa pode ser considerada sucessora da antiga. Acho que o Cruzeiro deveria buscar uma alternativa mais organizada do que essa, buscar, eventualmente, se transformar em empresa, e renegociar os seus passivos”, sugeriu Grafietti.

Tudo gira em torno de renegociações. “O clube deveria buscar alternativas para mostrar a seus credores que, no prazo que as dívidas estão, ele não consegue pagar. É buscar prazos mais longos, tentando priorizar os pagamentos mais curtos para quem tem renda menor. Boa parte dos problemas são trabalhistas. Tem que buscar uma alternativa sustentável, que não prejudique ninguém, mas que se organize para não ter pressões de caixa. Ele vai ter que vender ativos, buscar um parceiro, se se transformar em empresas”, afirmou.

Uma refundação poderia trazer mais problemas do que soluções. “A refundação é mais conceitual do que prática. Se tivesse uma refundação, e voltar lá para as últimas séries, traria junto parte dos problemas. Ele não ficaria livre, porque qualquer juiz entenderia que foi uma forma de burlar os credores”, ressalta.

Cesar Grafietti entende a insatisfação do torcedor, mas ele alerta que é um momento de reconhecer a situação. “O Cruzeiro vai ter que passar um período mais duro. Sei que isso é difícil para o torcedor, mas passar mais tempo na Série B pagando as contas, reduzindo custos e trabalhando de uma forma mais justa, para evitar um sobe e desce e virar um clube gangorra. Tem que ser um trabalho consistente e de longo prazo e com paciência”, sugere.

Clube-empresa

No último dia 10, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 5516/2019 que cria a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). O texto ainda vai passar pela Câmara dos Deputados, antes de ir para a sanção do presidente da República. Dentre as possibilidades da futura nova lei é a possibilidade de um clube, já transformado em empresa, pedir recuperação judicial.

Isso, na prática, também não é tão simples. “Os processos de recuperação judicial são longos, complicados. Tem que renegociar com todo mundo, a quantidade de credores é grande, muitas pessoas físicas, o Estado. A situação era difícil e se comprovou. É raro chegar a uma situação dessa. E o Cruzeiro não pode perder competitividade. Se você entrar numa recuperação judicial, hoje não tem nenhuma regra que diz que o clube não pode jogar. Mas, e se tiver. Não sabemos como serão os desdobramentos desse processos”, alerta Grafietti.

O Cruzeiro entende que a transformação em empresa facilitaria a captação de aportes financeiros por meio de um investidor. A dívida cruzeirense hoje é de R$ 663 milhões, sendo R$ 309 milhões a curto prazo. Diminuir esse montante é algo que um futuro parceiro precisaria colocar na balança.

“O Cruzeiro tem história, torcida, estrutura muito boa. Se você comprasse um time de Série B mesmo, de Série C, seria de cidades menores, com pouca torcida, levaria um processo de amadurecimento que o Cruzeiro já entrega hoje. A dívida pesa, vai entrar a capacidade do investidores de fazer uma boa renegociação, aportar recursos para as dívidas mais urgentes e menores, as mais necessitadas”, explica Grafietti. “Se um investidor quer entrar no mercado para ser competitivo, nada melhor do que um clube que tem um alicerce bastante firme”, pondera.

O estatuto do Cruzeiro já prevê, hoje, que se o clube quiser se transformar em empresa, ele ficaria com 51% das ações, ou seja, na prática, a diretoria celeste ainda teria a palavra final. Isso, no entanto, pode afastar o interesse de investidores.

“Se quiser receber investidor, muito provavelmente, ele vai querer colocar dinheiro e participar da gestão. A mentalidade do dirigente e do torcedor é receber os recursos e continuar gerindo. Não que ele não possa fazer isso, mas o investidor vai querer ter ingerência sobre o dia a dia, o financeiro, o esportivo, a base. Uma troca tem que ter”, destaca Cesar Grafietti.