No Brasil, desde 1890 existem mecanismos legais para regulamentar as falências e evitá-las
Caio Mário Trivellato Seabra Filho*
As obrigações firmadas nos negócios por vezes podem ser infrutíferas, frustradas e, logicamente, causarem prejuízos financeiros. Se algum dos participantes deixa de honrar suas obrigações, este se torna inadimplente e, portanto, devedor. Como consequência disso, os seus credores podem cobrá-lo. Diante do cenário, o Estado, por meio da atuação do Poder Judiciário, pode intervir na esfera privada, desde que devidamente impulsionado pelo credor para a cobrança da obrigação, por meio de ações judiciais.
Nessa linha, quando a sociedade empresária passa a ter dificuldades na manutenção de suas atividades econômicas e, em consequência, a limitação de acesso ao crédito, está deflagrado um quadro de crise.
Então, no momento em que as sociedades empresárias agravam o quadro de impontualidade de pagamentos, assim como dificuldades na manutenção das atividades básicas, instaura-se um quadro de crise econômico-financeira, o qual pode ou não ser superável, retornando as atividades à normalidade novamente.
Historicamente, desde o Código Comercial de 1850 existe a menção à recuperação de empresas, mas é após a Proclamação da República, quando foi publicado o Decreto 917 de 1890, é que foi reformado o título relativo à falência e introduzido na legislação o instituto da “concordata preventiva”. Trata-se da primeira aparição de um mecanismo que visava evitar a decretação da falência da sociedade empresária, desde que seguidos determinados requisitos ligados ao adimplemento das obrigações.
Após outras modificações em 1908 e, posteriormente, em 1929, a legislação referente à falência de sociedades empresárias se aperfeiçoou no rigorismo e transparência do procedimento de impugnação e verificação dos créditos devidos nos processos de falência.
Considerando que as bases de crédito no Brasil não se interligavam aos grandes bancos e as variações cambiais e de mercado hoje conhecidas, como as desvalorizações da moeda, que ainda não existiam, o Decreto-Lei 7.661/1945 foi publicado com o intuito de dar cumprimento à dissolução e à liquidação no âmbito da falência. Dessa forma, além da concordata preventiva, que evitava a decretação da falência, previa-se também a concordata suspensiva, a qual suspendia os efeitos da falência já decretada sobre o devedor, desde que cumpridos os requisitos necessários.
Para revolucionar as bases e o tratamento dos mecanismos de atuação dos credores e devedores através do Poder Judiciário, foi promulgada a Lei 11.101/2005, e suas bases modificaram o entendimento até então adotado, mediante a extinção da concordata e instituição da Recuperação Judicial e Extrajudicial.
De raízes norte-americanas, a legislação vigente se baseia também nos ditames relacionados aos princípios da igualdade, livre concorrência e redução das desigualdades, presentes na Constituição Federal, no artigo 5º e artigo 170, incisos IV e VII.
Sobre a recuperação judicial, o art. 47 da Lei 11.101/2005 traça o seu objetivo: “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
Em primeiro lugar, a preservação da empresa é que deve ser levada em conta: a atividade econômica necessita ser preservada quando possível, haja vista a série de repercussões sociais, como geração de empregos, renda, produtos. Não bastasse isso, o desmantelamento da empresa promove a perda dos ativos intangíveis, como ponto comercial, know-how, fornecedores, marcas, clientela, aviamento, entre outros.
Da mesma forma, é necessária a separação dos conceitos de empresa e empresário, sendo a empresa o “conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços”, distinguindo-a da pessoa física e jurídica que o exerce, tornando possível promover a alienação da atividade estruturada para outrem.
Em segundo, a proteção aos trabalhadores: resguarda-se a força de trabalho pela precedência no recebimento dos créditos na falência e na recuperação judicial. Se possível, mediante mecanismos da legislação para a preservação da empresa, busca-se a preservação dos empregos e a criação de oportunidades de emprego.
Terceiro, é preciso reduzir o custo do crédito no Brasil: o sistema de crédito no Brasil necessita ser garantido por mecanismos como ordem de classificação de créditos na falência e recuperação judicial, estimulando-se a aplicação dos recursos financeiros em prol do crescimento econômico.
Enfim, a recuperação judicial é um instituto que confere credibilidade aos jurisdicionados, mas necessita de maior rigor nas fiscalizações quanto aos prazos estendidos de duração dos procedimentos, suspensões de assembleias de credores e a atuação de auxiliares do Juízo da Recuperação, coibindo fraudes e medidas morosas.