Indenizações a famílias de vítimas do acidente aéreo de 2016 podem ser reduzidas, e advogado responsável explica detalhes do processo ao ge
A Chapecoense entrou, em fevereiro, com um pedido de recuperação judicial para tentar organizar as finanças do clube antes da transição para Sociedade Anônima do Futebol (SAF), aprovada pelo Conselho Deliberativo em dezembro. O clube entregará neste mês o plano de recuperação, como exigido por lei, e, a partir daí, terá até seis meses para resolver a parte mais complexa do processo: a renegociação com os credores.
A operação jurídica foi terceirizada pela Chapecoense para o escritório Lollato, Lopes, Rangel, Ribeiro Advogados. Um dos sócios, Felipe Lollato explicou ao ge os trâmites seguintes da recuperação. O clube ainda calcula o valor exato da dívida que apresentará no plano de recuperação. Hoje, gira em torno dos R$ 100 milhões, mas a estimativa é que essa quantia supere R$ 180 milhões, dependendo de processos ainda em aberto, como confirmou o advogado.
Arena Condá Chapecoense — Foto: Divulgação/Chapecoense
Determinado o valor da dívida e como o clube pretende pagar, a conversa então passa a ser com os credores, que precisam aprovar os termos da eventual renegociação.
– Seguindo os tramites normais de um processo de Recuperação Judicial, apresentaremos o plano no mês de abril, respeitando o prazo legal. Listados temos algo em torno de R$ 100 milhões, contudo o passivo ainda pode aumentar em decorrência de demandas judiciais que pendem de liquidação – explicou o advogado, acrescentando que após a apresentação do plano, as execuções contra o clube ficam suspensas até a aprovação dos credores para a readequação de dívidas.
Uma das questões mais sensíveis a serem discutidas é a dívida com sobreviventes e familiares das vítimas do acidente aéreo de 2016, quando o elenco viajava para a Colômbia para a final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional, de Medellín.
– As dívidas serão repactuadas de acordo com uma decisão da maioria dos credores, depois da realização de uma assembleia geral – disse Lollato.
Apesar de os processos de indenização dos parentes das vítimas e sobreviventes envolverem valores milionários, alguns dos maiores entre os credores trabalhistas, cada autor de ação terá somente direito a um voto na assembleia. A renegociação das dívidas precisa ser aprovada por maioria simples, mas a votação ocorre dentro de cada uma das quatro classes de credores determinadas na recuperação judicial.
Nas classes de dívidas trabalhistas e de micro e pequenas empresas, a regra é um voto por CPF ou CNPJ. Já nas classes de quirografários (débitos sem garantia real, como notas promissórias) e dívidas com garantia real (hipotecas, por exemplo), cada credor tem direito a um voto, mais um voto por cada real que lhe é devido.
Neto em visita ao local do acidente da Chapecoense na Colômbia — Foto: JOAQUIN SARMIENTO / AFP
A situação gera desconforto do outro lado. Advogado de algumas das famílias de vítimas e de sobreviventes do acidente aéreo de 2017, Marcel Camilo enxerga com preocupação a suspensão das penhoras e a renegociação das dívidas. Ele representa o ex-zagueiro Neto, que sobreviveu à tragédia, além das famílias de Bruno Rangel, Gil, Ananias, Lucas Gomez, Canela e Gimenez.
– A gente está aguardando o plano de recuperação, isso vai para a assembleia geral, tem a lista preferencial de credores, que nas questões trabalhistas inclui quem tem a receber até 150 salários mínimos. Aí é óbvio que estamos preocupados como isso será conduzido, deixando claro que o grupo pode aceitar ou não aceitar. Mas não é só preocupante pela questão da assembleia e pelo deságio, é preocupante pela gestão. Eu tenho de acreditar que as pessoas que estão lá farão uma melhor gestão dos que a já estiveram lá.
Camilo acrescenta que a “pergunta do milhão” no momento para os credores é como a empresa nomeada para administrar a recuperação judicial avaliará a gestão do futebol.
– Como a administradora da recuperação judicial vai avaliar se a gestão está sendo boa ou ruim? Não estamos falando de vender cerâmica, é um produto intangível, como ela vai conseguir avaliar se a compra ou venda de um jogador foi benéfica ou não aos credores? Um exemplo: se a Chapecoense para tentar subir contrata 20 jogadores de 33 anos, isso é bom ou ruim? A Chapecoense vai receber receitas, mas como vão avaliar se esse dinheiro foi bem gasto? Essa é a pergunta do milhão.
O advogado Josmeyr Oliveira representa a Associação dos Familiares das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C) e também mostra preocupação, mas diz que a entidade não interfere nas questões financeiras dos parentes das vítimas.
– Entendemos e esperamos que os acordos, que sabemos são parte bem menor do que cada família pleiteava, não sejam mais aviltados. Cada família que não tem recebido a parcela do acordo está passando por um problema agravado mais ainda com a expectativa de poder nem receber seus créditos. Temos passado a cada família que busque seus direitos com afinco.
Questionado sobre quanto da dívida a Chapecoense estima ser possível pagar durante a recuperação judicial, Lollato respondeu:
– Ainda é impossível prever. O prazo para realização da assembleia geral de credores é, pela lei, de seis meses, contudo o prazo de pagamento é de livre deliberação entre o clube e seus credores.
Para Lollato, o cenário ideal é que a busca por um investidor para o clube só se inicie após terminada a negociação com os credores.
– Penso que o momento mais adequado seria depois da aprovação do plano de recuperação, quando então já se tem certeza acerca do passivo remanescente do clube.
Vice financeiro explica recuo na criação da SAF
O vice-presidente de finanças da Chapecoense, Luiz Peruzollo, explicou ao ge o motivo de a transformação em SAF não ter sido levado adiante logo após a aprovação da transição para o modelo empresarial no Conselho Deliberativo do clube, em dezembro de 2021. O dirigente afirmou que a aprovação ocorreu sem que a diretoria tivesse ainda pleno conhecimento da dívida do clube.
Além disso, o modelo aprovado prevê um percentual muito pequeno de ações para o possível investidor – 95% da SAF ficariam com o clube, e somente 5% para quem fosse injetar dinheiro. Ou seja, no caso de uma proposta concreta de investimento, uma nova votação no conselho é inevitável.
– Não tínhamos a real dimensão dos problemas financeiros da Chapecoense. Naquele momento, sem ter todo o levantamento do inventário da Chapecoense, acreditamos que a SAF era o melhor caminho. Aí pedimos ao Deliberativo, aprovaram a criação, porém, quando nos debruçamos sobre as dívidas do clube e começamos realmente a estudar a lei da SAF, eu e mais advogados começamos a questionar essa não ligação da SAF com a associação, como é agora. Ficamos com receio de se criar a SAF e toda a dívida da associação migrar para a SAF, só trocaria o problema de lugar. Então optamos por fazer a recuperação judicial para sabermos qual a real dívida da Chapecoense, aprovar um plano de pagamento. Posteriormente a isso, sabendo dessa dívida, tentando uma renegociação com os credores, aí sim constituir a SAF – explicou Peruzzolo.
Segundo o dirigente, até o momento não houve nada além de sondagens para investimentos no clube. Mas ele deixou claro que serão necessárias mudanças no modelo de SAF que foi aprovado no Conselho.
– O que a gente sentiu é que os investidores se preocupam muito com o tamanho da dívida. Essa estimativa de valor será variável com relação também à dívida que teremos. Quanto menor a dívida lá no fim da recuperação, acreditamos que o valor de investimento será maior. O perfil do investidor terá de ser aprovado no Conselho Deliberativo. Porque na criação da SAF, quando foi aprovado, ficou decidido que a Chapecoense teria o controle das ações da SAF neste momento. Lá na frente, com alguma proposta oficial, investidor que venha de forma concreta, aí teremos de levar ao conselho para eventual aprovação de aumento das ações por parte de terceiros. Houve sondagens, valores, mas nunca de forma oficial, não recebemos nenhuma proposta oficial.