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Recuperação judicial, recuperação extrajudicial, falência e insolvência civil. À medida que clubes de futebol entram em colapso financeiro, dirigentes, políticos e advogados começam a difundir esses termos como possíveis soluções para reverter décadas de má gestão nas associações.

Os termos já entraram no vocabulário do cruzeirense. Vittorio Medioli, empresário que participou por breve período da administração provisória do Cruzeirodefendeu publicamente que o clube entrasse em recuperação judicial para desfazer os estragos causados pelas administrações Wagner Pires de Sá e Gilvan de Pinho Tavares.

O assunto importa a praticamente todo clube endividado, no entanto. Diante das críticas situações no futebol brasileiro, nos bastidores há gente interessada em recorrer a esses mecanismos para limpar o endividamento das associações. Em alguns casos, isso ajudaria a melhorar as chances de migrar para uma estrutura empresarial.

Pelo alto grau de complexidade e pela alta relevância para o futuro do futebol brasileiro, o blog gravou um podcast para explicar os mecanismos com a participação de Marcelo Sacramone, juiz da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. Este texto serve de apoio para entender cada uma das saídas para os endividados.

Torcida do Cruzeiro no Mineirão — Foto: Agência i7 / Mineirão

Torcida do Cruzeiro no Mineirão — Foto: Agência i7 / Mineirão

Recuperação judicial

  • Para que serve?

Recuperar uma empresa que possui relevância para a sociedade, sobretudo pelos empregos que gera, que passa por crise econômica.

  • Quais são os requisitos?

Desempenhar atividade empresarial por pelo menos dois anos. Em outras palavras, para que entre em processo de recuperação judicial, a pessoa jurídica precisa ser uma empresa – sociedade anônima, limitada ou outra estrutura societária semelhante.

Associações civis sem fins lucrativos – como a maioria dos clubes de futebol no Brasil – não podem entrar em recuperação judicial, a menos que migrem para a estrutura empresarial e aguardem dois anos ou exista alguma mudança na legislação.

  • Qual é o procedimento?

Em primeiro lugar, a empresa apresenta o pedido de recuperação judicial à Justiça, com justificativas para obter o benefício de renegociar suas dívidas com supervisão do poder público.

Caso a Justiça permita o prosseguimento, a empresa (devedora) terá 60 dias (dois meses) para apresentar um plano para o pagamento para o conjunto pessoas com as quais esta acumulou dívidas (credores).

Quando o plano de recuperação for apresentado, os credores decidirão se aceitam ou recusam a proposta. Caso aceitem, os credores receberão os valores de acordo com as condições estabelecidas neste acordo. Caso não aceitem, será decretada a falência da empresa.

Após o acordo, a Justiça ainda monitora o cumprimento desta recuperação por dois anos para garantir que o devedor siga o plano.

  • Quais os benefícios?

Aos credores, o mecanismo possibilita o recebimento dos valores que estavam em aberto, ainda que com descontos e de maneira parcelada. Em outra hipótese, eles poderiam não receber nada. A recuperação judicial ainda obriga que o acordo seja coletivo, isto é, nenhum credor poderá tirar vantagem de outro com a penhora de receitas, por exemplo.

À empresa (devedora), a recuperação judicial permite que ela reduza seu endividamento e preserve a sua atividade. Adicionalmente, todos os bloqueios e penhoras sofridos por esta empresa ficam suspensos por 180 dias (seis meses). Isso acontece justamente para que nenhum credor passe na frente de outro na hora de obter o dinheiro de uma penhora.

“Por que tudo será suspenso? Para evitar que um credor mais sofisticado, mais rápido, consiga tirar um ativo e prejudicar todo o resto. A lei fala: durante esses 180 dias, tudo vai ser suspenso contra o devedor. Problema disso: a jurisprudência tem dilatado esse prazo. Aqui no Estado de São Paulo esse prazo tem levado dois anos em média. É bem diferente dos 180 dias. Alega-se que os credores estão negociando, então é melhor manter essa suspensão do que deixar alguém correr por fora para penhorar determinado bem”, explica Marcelo Sacramone.

  • Do que depende a negociação?

Geralmente, de dois fatores:

  1. Dos ativos que podem ser vendidos para levantar dinheiro. Isso vale para tudo o que tem algum valor para a empresa. No caso de clubes, seriam imóveis (sedes sociais, administrativas, centros de treinamento e estádios), contratos de jogadores e marca (escudo)
  2. Da previsão de faturamento no novo plano de negócios. Se a empresa entender que a sua recuperação financeira permitirá investimentos e fará com que ela arrecade mais dinheiro, parte desses recursos pode ser redirecionada para pagar os credores

Tendo em consideração esses fatores, será determinada a probabilidade de bom negócio para ambas as partes. No caso da empresa que não tem ativos para vender e/ou que não possui potencial para elevar seu faturamento, credores terão problemas para obter bons valores.

  • A recuperação envolve perdão de dívidas?

Na maioria das vezes. O devedor não teria dinheiro para pagar todas as dívidas em condições normais. Então ele costuma basear o plano de recuperação no alongamento do prazo para pagamento e na negociação de descontos sobre os valores devidos.

Credores podem entender que é melhor receber algum dinheiro do que nenhum. Por isso aceitam perdoar parte dos valores devidos em troca do pagamento programado. Isso só acontece se a maioria absoluta dos credores concordar com as condições propostas.

“Em um plano médio, o devedor vai pagar em 11 anos e com metade do que ele devia. Esse é um plano médio. 30% dos planos envolvem vender alguma coisa para fazer caixa para satisfazer esse plano. Daí os credores vão ser chamados para uma Assembleia Geral em que eles vão se reunir para deliberar se aquela é a melhor proposta, se o devedor não poderia propor algo melhor, fazer alguma sugestão, e cabe ao devedor entender se ele vai manter ou não a proposta originária”, diz Marcelo Sacramone.

  • Existem regras para a formulação do plano?

Dívidas trabalhistas (com ex-funcionários) precisam ser pagas em prazo inferior a um ano, a partir do momento em que a proposta do devedor for aceite pelos credores. A limitação de dívidas trabalhistas diz respeito ao prazo, mas não ao deságio. Desde que os credores aceitem perdoar parte da dívida, o devedor pode reduzir esse montante.

Esse é um enorme problema em potencial para clubes de futebol. As dívidas trabalhistas das associações – com jogadores, técnicos e funcionários de outros departamentos – costumam ser muito maiores do que em empresas convencionais. Sobretudo no caso dos clubes mais tradicionais e mais endividados do futebol brasileiro.

Recuperação extrajudicial

  • Para que serve?

A recuperação extrajudicial tem mecânica parecida com a judicial, porém a fase da negociação entre devedor e credores é feita fora da Justiça. O acordo precisa ser levado a um juiz, no entanto, para que ele verifique as condições e homologue a decisão.

A negociação não precisa acontecer com todos os credores ao mesmo tempo. Por exemplo, a empresa pode renegociar apenas os débitos com instituições financeiras (dívidas bancárias).

Na recuperação extrajudicial, a negociação também não precisa da aprovação da maioria absoluta para ser confirmada. Caso o devedor consiga a aprovação de 60% dos credores, os outros 40% são obrigados a aceitar as condições do plano de recuperação.

Falência

  • Para que serve?

É a consequência de uma recuperação judicial que não deu certo – ou seja, na qual os credores não aceitaram a proposta feita pelo devedor e decidiram que o melhor caminho seria pedir a sua falência. Também é possível haver diretamente a falência, mas este é um caso raro.

Em caso de falência, o devedor perde todo o poder sobre os ativos e o poder de administrá-los. Ele é afastado imediatamente. A Justiça nomeia um administrador judicial, e esse administrador vende todos os ativos para arrecadar dinheiro. Imóveis, marcas, contratos, tudo o que for possível vender no mercado, entra em jogo para pagar os credores.

  • Quais são os requisitos?

Apenas empresas podem ir à falência. Associações civis sem fins lucrativos, como a maioria dos clubes de futebol no Brasil, não podem passar por esse processo sem alguma mudança na legislação.

  • Quem pode pedir a falência de uma empresa?

Devedores ou credores. Na prática, ninguém pede.

O devedor geralmente entende que é melhor seguir atividade e tentar pagar as dívidas, enquanto credores evitam o risco de não receber nada caso não haja ativos suficientes para vender.

No futebol, pedir a falência de um clube ainda teria um efeito adicional: a pressão social sobre os credores ou os dirigentes (responsáveis pelo devedor) que pedissem a falência de um clube tradicional.

  • Quais os benefícios?

Se a liquidação de todos os ativos gerar dinheiro para pagar pelo menos 50% das dívidas, a empresa não pode ser cobrada pelos outros 50%.

“A falência é um prêmio para o empresário que teve um fracasso. Se eu liquidar todos os bens e com aquele valor conseguir pagar a metade dos credores, ele está livre no dia seguinte para voltar à sua atividade. Há uma extinção das dívidas dele. Problemas disso: a falência dura em média 12 anos, ou seja, o processo nunca acaba. Se o processo não acaba e ele não consegue pagar esses 50%, ele vai ficar mais cinco anos após o encerramento ainda vinculado a essas obrigações”, explica Marcelo Sacramone.

Insolvência Civil

  • O que é?

É uma forma de liquidação de todos os bens e pagamento dos credores. Não existe possibilidade de negociação coletiva. O clube precisaria entrar em acordo individualmente com todos os credores.

  • Quais são os requisitos?

A insolvência civil se aplica a associações civis sem fins lucrativos. Clubes de futebol podem passar por esse procedimento a qualquer momento.

  • Quem pode pedir a insolvência de uma associação?

Devedores ou credores. Na prática, ninguém pede.

O devedor não pede porque deixaria de existir e não conseguiria preservar a sua atividade, e os credores não costumam pedir porque dificilmente conseguiriam receber os valores.

Além disso, como as negociações são individuais, alguns credores poderiam passar a perna em outros ao se valer dos recursos obtidos com a venda de ativos como estádios, sedes e jogadores.

  • Qual a diferença entre falência e insolvência?

Em um processo de insolvência civil, por mais que a venda de todos os ativos da associação pague mais de 50% das dívidas, a associação continuará vinculada ao restante das dívidas até que elas prescrevam. O prazo para prescrição pode ser de cinco a dez anos, a depender de ter havido crime. Em praticamente todos os casos, não vale a pena.